sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Saúde pública, uma vergonha nacional


Helena Beatriz
Nos reportando à célebre frase “quem tem olhos de ver que veja, quem tem ouvidos de ouvir que ouça”, atribuída a Jesus, percebemos que há cegos e surdos em demasia neste país.
Ó céus, vivo no Rio de Janeiro, na cidade que amo, desde que nasci. Esta cidade já foi o estado da Guanabara e antes disso foi capital da República. E já trabalhei na periferia com os muito pobres e alguns bem miseráveis.
O PAM de Irajá era a sucursal do inferno. Fiz relatos comoventes à direção (por escrito e os encaminhei ao CREMERJ) em busca de medicamentos e exames simples para o atendimento primário daquela população (eram três favelas adjacentes).
Certa vez fiquei 6 horas buscando atendimento, rodando de ambulância numa sexta-feira à noite, em busca de um endoscopista para uma infeliz criança de 5 anos que engolira um botão. Ambulância depredada, com um farol, problemas no freio etc e tal.
Não encontrei. Não existe tal especialista no serviço público. Todos pedem demissão devido aos salários aviltantes e às péssimas condições de trabalho.
“ME RECUSO!”
Quando cheguei ao Hospital Miguel Couto pedi que um anestesista fizesse uma intervenção. Ele disse que faria, mas a criança poderia vir a óbito, pois não era o procedimento indicado.
De repente o chefe da Pediatria do hospital (hoje demissionário) disse: ” Não posso ser mais um a escrever que não temos endoscopista e assinar o atestado de óbito dessa criança. Me recuso!”
Então pegou seu celular e ligou para um amigo da UTI do Hospital da Lagoa, que se encontrava num momento de lazer e pediu: “Sei que é quase meia-noite, mas estamos com uma criança aqui, sangrando, morrendo, que precisa de um endoscopista. Por favor me dê uma ideia onde encontrar na rede pública um colega seu. Ela vai morrer.”
O médico, do outro lado da linha, deu várias sugestões que foram rechaçadas por serem inexequíveis (num determinado hospital havia até equipamento, mas sem o profissional, por exemplo). Até que decidiu ajudar: “Vou passar na UTI da Lagoa agora. Pegarei o equipamento e chegarei aí em 1 hora. Mantenham a criança viva.”
“ELA VAI SOBREVIVER”
Então fui até a ambulância, onde me aguardava a mãe daquela criança e a confortei: “Achamos um médico especialista indicado. Ela vai sobreviver.”
A mãe, chorando, me disse: “Sabia que Deus o ajudaria. O pai dele é bandido sim, mas estamos frequentando a igreja. Deus vai ter piedade de nós.”
E o tal médico, riquinho sim, burguês, da zelite, mesmo sem receber 1 tostão e não pertencendo à rede pública municipal, não só salvou aquela criança, como também outras 3 que chegaram logo depois. Coincidência, hein? Fiquei sabendo disso por conhecer os médicos da rotina daquele hospital.
Desculpem esse relato meio longo, mas é só pra dizer que a Saúde só piorou. Aquele PAM, que não tinha estrutura mínima para funcionar, hoje é um hospital do mesmo jeito: sem remédios básicos e sem exames simples para tornar o atendimento minimamente digno.
Aliás, o número de leitos desativados no governo petista é estarrecedor: mais de 30 mil.
Não há vagas nas UTIs. Os Hospitais da rede pública estão todos sucateados. E ainda temos que ouvir loas à contratação de médicos sem revalida e sem concurso, e ainda por cima num regime de escravidão. Loucura total. Isso é Brasil petralha. O pior de todos que conheci nos meus 30 anos de atividade profissional.

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