sexta-feira, 31 de outubro de 2014

As confissões de Sarney


Carlos Chagas
José Sarney costuma surpreender pelo coração. Não o da verdade científica, que apesar da idade continua funcionando muito bem. Fala-se do coração de mãe que ele também guarda no peito e que de quando em quando costuma abrir para agradecer a quem merece e a quem não merece. Esta semana, escreveu artigo na Folha de S. Paulo alertando para a divisão do país, que trás “o germe da desintegração”. Elogiou  Dilma Rousseff por ter coragem de reformar ou recriar o sistema político vigente. Pretende que ela faça o que ele não fez, nem seus sucessores, “pois a democracia não se aprofundou depois da redemocratização”. Denunciou “o corporativismo anárquico que foi beneficiando ilhas de interesses e gerou a divisão aflorada nas eleições”.
Diagnóstico correto, apesar de tudo ter começado com ele no poder. Além de a presidente ter tido quatro anos para encontrar soluções duradouras, preferindo acomodar-se às referidas ilhas de interesses, no caso, partidos empenhados em deglutir fatias do poder e em obstar reformas imprescindíveis. Se espera que ela agora adote mudanças institucionais, fica por conta de seu otimismo endêmico. Ou do coração agradecido pelo telefonema da presidente, por conta dos votos dados no Maranhão à sua reeleição.
O que chama a atenção nesse canto de cisne do patriarca maranhense são as soluções por ele apresentadas, muitas indicando paliativos e retrocessos.
VOTO NO PARTIDO
Sarney começa sugerindo acabar com o que chama de voto uninominal, quer dizer, o eleitor não mais elegeria o seu preferido, mas, para fortalecê-los, votaria nos partidos. Em listas partidárias, mais propriamente. Esquece que os partidos são dominados por caciques cujo objetivo sobrepõe-se ao interesse nacional. Quer o voto distrital, que municipalizaria as eleições estaduais e nacionais, somando a essa castração do eleitor “a supressão de partidos que não praticam a democracia interna e são cartórios de registro de candidatos, servindo apenas para negociações materiais”. Ora, que exemplo melhor do que o seu próprio partido, o PMDB, ou seu parceiro de divergências, o PT?
Ao posicionar-se contra a reeleição, propondo um mandato maior para presidentes, governadores e prefeitos, até que acertou, para escorregar em seguida numa sugestão que serviria ao país para livrar-se do Lula, ainda que contrariando o livre direito de qualquer cidadão concorrer aos postos que bem entender: pretende que ex-presidentes da República fiquem proibidos de voltar a exercer cargos públicos, mesmo eletivos. Por que não governadores e prefeitos?Valesse essa proposição e ele não teria retornado ao Senado para exercer três mandatos, mesmo agora confessando seu “erro e arrependimento tardio”.
PARLAMENTARISMO?
Mostrou-se favorável ao financiamento público das campanhas mas não explicitou de onde viriam os recursos orçamentários que ficariam nas mãos dos mesmos caciques manipuladores das listas partidárias. Pregou o controle das estatais, mais necessário na reforma administrativa do que na reforma política. Verberou o poder de o Executivo legislar e enfatizou a  extinção das Medidas Provisórias, por ele mesmo criadas e abusadas. Por fim, o ex-presidente que salvou o presidencialismo das tendências parlamentaristas declara-se favorável ao sistema parlamentar de governo.
Ao contrário do que diz, a história do Brasil ficará marcada por retrocesso ainda maior caso Dilma adote o parlamentarismo,   pois o país ficou mais justo e humano sem a sua reforma política.
Em suma, passando a peneira no artigo do ex-presidente, sobra com todo o respeito a conclusão de que não se trata de uma colaboração para a reforma política, mas de uma confissão.
 
 

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